CENA IX
“Aqui está a matéria. Ainda não te desossaram.
Aqui está a cascata e o grilo.
Mexe um dedo. Grita. Faz um esgar –
A pesada respiração da terra contém o desespero.Aqui estão as bocas fechadas na sua mudez, os ossos insensíveis.
Inveja as árvores com a sua dor, decepa os anos que hão-de vir.
Destrói a águia do vale, afoga o grito do clarim –
A mente transformou-se em escorpião e vive entre as pedras.Tudo o que a vontade quer são as tesouras e a esponja,
A coroa de úlceras, a imunidade.
Uma voz estrangeira sussurra nos quartos
E interminável é o penetrante garrote do sol.”
[in Poemas, de Paul Bowles, selecção e tradução de José Agostinho Baptista,
Assírio & Alvim, 2008]
Criador artístico talentoso e multi-facetado, como romancista, poeta, tradutor e músico, a sua residência em Tânger (Marrocos), onde viveu os últimos 52 anos da sua vida e era conhecido por “l’écrivain américain”, tornou-se pólo de atracção da geração Beat, incluindo Allen Ginsberg ou William S. Burroughs e também de vultos da literatura norte-americana, como Truman Capote, Tennessee Williams ou Gore Vidal, devido ao ambiente informal e indulgente que aí reinava. No seu hall da entrada, amontoavam-se permanentemente as malas dos hóspedes que o visitavam, em busca da sua personalidade cosmopolita, excêntrica e inconformista.
O livro que o tornou famoso, “The sheltering sky” (“O Céu que nos Protege”), convertido ao cinema por Bernardo Bertolucci, sob o título “Um Chá no Deserto” e em que pretendeu estabelecer a célebre diferença entre turista e viajante, reflecte, como de resto toda a sua obra ficcional, o absurdo do mundo moderno, da sua crueza e da corrupção.
Foi um viajante constante, por geografias exóticas e distantes, sempre com uma curiosidade insaciável e cujas experiências verteria nas suas obras, tanto literárias, como musicais. Passam hoje 101 anos do seu nascimento e por isso o evocamos.
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